quarta-feira, junho 30, 2010

Déjà Vu



Faltava algo para dizer. Meus olhos já não diziam... Minhas mãos já não suavam com a tensão dos dias, minha tez já não empalidecia com aquelas antigas promessas feitas, com as futuras desilusões, muito menos com o escuro do meu quarto. Solidão, algo longínquo. O que dizer? Dentro do universo de todos os versos rimados, palavras supérfluas, frases dadaístas... O que dizer? Já deveria ter dito tudo, ou nada, e nada que fizesse sentido na vida. Na nossa vida. É para você que eu digo o que eu ainda não disse, e o que não disse? Não sei, não posso talvez, dizer. Não explodiu o foguete do desejo de dizer tudo o que sei sobre tudo o que não era possível saber sobre você... Não tenho medo de fitar seus olhos, caídos olhos. Não temo o seu sorriso irônico, tenho ousadia de pensar que tudo que vivi na minha digna pré-adolescência poderia, quem sabe, ser algo ilusório, um paraíso pueril, poeira de sonhos que cobrem o mar da minha audácia que vinha do estômago, do útero, da bexiga, dos meus órgãos internos, para extenuar uma rebeldia sua que repercutia dentro de mim. Aquela sede de romper com as verdades, tudo era diferente, um gosto de perigo abaixo da língua, a insalivação da alma para correr nos campos livres, soltos, e sem regras. Eu precisava de um impulso, de uma mão atirada para o horizonte, e muito mais do seu amor, de suas decisões, das suas atitudes. Precisava me masculinizar me sentir toda e tudo e me satisfazer... E toda aquela liberdade me continha para a casca do ovo, o casco da tartaruga, e me cobria como algo intocável... Ideologias? Muitas, mas as suas, apenas. E me via em você. E já não precisava me masculinizar e me sentir inteira como eu deveria ser. E quando me olhava, via em mim o mesmo, como se nós fôssemos Narciso e seu espelho. Dois lados da mesma moeda, duas faces do mesmo plano, um soneto com uma bela chave final. Quem era você? Um anjo embriagado indicando um caminho, com risos estranhos, modos esquisitos de se comportar. Uma luz que ardia no fundo daqueles olhos negros, ascendia uma chama, uma cobiça pelo inalcançável. Um homem com instintos infantis, que cresceu com o mundo corrupto, uma história além dos anos, da década que havia vivido, dos dias incomuns que passara ao meu lado. E quando me tocava as mãos, eu sentia, sentia muito mais do que pudesse imaginar na infância, de talvez encontrar um príncipe, mas não, não era isso, era mais que isso, uma magia perfeita, nada comparável às literaturas triviais que me conquistaram na minha passagem de fases. Romance, loucura, algo para se relatar em livros, vidas que já viveram antes, ou tudo não passava de mera quimera de uma mente alucinógena, aliciana. A dúvida de que isso existiu ainda permeia nas minhas frustradas imaginações, aquela doce voz, a altivez das discussões banais, um paradoxo, um amor indescritível, algo não desta vida, não deste mundo, nada igual. As letras não podem expressar, a boca não pode soar, as ondas do som não podem emitir freqüência... Um desmaio, e a volta ao cotidiano.

quinta-feira, junho 03, 2010

POEMA PARA A NATUREZA


Minha terra já não tem palmeiras onde cantam os sabiás,
As aves que aqui gorjeiam calaram-se pelo som das armas
Aqui jaz o brilho de jaci, a asa de jaçanã, os lábios de Iracema...
Peri separou-se de Ceci, caiu a árvore Jequitibá.

Nesta terra o que se planta, já não se dá
O solo empalidecido não levanta os manguezais
Por onde andam os deuses que protegem o igarapé?
Fonte que mata a sede e permite a passagem do igarité!

Ouviram do Ipiranga, onde estão as margens plácidas?
Os raios fúlgidos queimam a pele, onde está o ozônio?
O povo heróico transformou o paraíso em pandemônio
Ciclones, furações, enchentes, chuvas ácidas!

Amazônia, teatro encantado onde reina a tristeza,
Madeira! Cai sobre o chão a tucumã que chora,
Por quanto tempo será vítima do homem a natureza?
Seguirá o sertanejo com a mão no terço. Ele ora.

Cerrado Vasto, riqueza que Deus lapidou
Beleza única, Lar de um bioma
A herança da natureza, o homem desmatou
Fez guerra, acumulou pólvora e bomba atômica

Rio das Éguas que corre pelos meandros correntinenses
Estão inundadas de areia as águas cristalinas
Não deixem o rio secar, protejam a nascente,
Os peixes, as garças, a fauna e a flora ribeirinha.