quarta-feira, dezembro 23, 2009

Morri


Morri naqueles olhos negros. Perdi o sossego... Desvinculei do corpo, passeei nos vales de ternura dos céus, me aprisionei no túmulo dos cegos, não enxerguei o oco, e, pouco a pouco, o sufoco ganhou raiz. Aqueles olhos negros assassinos. Lembro-me os tempos de menino, quando entrei no túnel da criancice e perdi-me da tolice humana. Saí da vida, experimentei a imparcialidade e morri novamente naqueles olhos negros. Não havia erros naqueles olhos negros, não havia dor e sofrimento, havia luzes no fim do infinito, à direita uma eternidade, à esquerda um imã. Morrendo na magnificência de uma incógnita, tornei-me verme hostil no solo desconhecido, mas amável, afável, palpável, confortável. As sinetas tocaram a melodia do mistério, não contive em tocar aquela suavidade, morri talvez com tanto júbilo, ou um tanto estúpido por morrer demais.

Go, Go!


Me embriaga a doce voz da Lua que ascende no céu despreocupado, sereno,brando e magnífico.
Simultaneamente, a louca sobriedade injeta em minhas veias um sabor de verdade.
Verdade sobre o universo.
Universo inocente e experimental...
Do qual saltei a barriga de minha mãe ao nascer e um dia, inesperado dia, irei para os braços da mãe dos vermes.
Me embriaga essa voz vinda dos céus a dizer “insista”.

A Ave e O Vento

Brandos, o vento e a ave deslizam soberanos no véu dos céus. Num tobogã de ares que se engolem tão memorosos, ambos amados, justos. Levanta vôo, ave plena, contorna vôo, vento vão. Completam-se em minuciosos detalhes. Almas parecidas num sonho atmosférico servil, onde se movem saciando desejos tão simultâneos. Invadem-se num encaixe de perfeição natural, não há mentiras entre si, somente a congruência de laços, abstrato e concreto, por sua vez, divinos. Quão imenso esplendor se resume a batida das asas alvas, acolhendo a leveza sublime do ar, seu homem. A mulher tão inibida ostenta em tua face um bico pontiagudo, convicta da sua entrega ao amor. E, ao fim de uma transa aérea, a ave arrepia-se de prazer com o assobio do vento. Cansada, senta-se em meio a um precipício a admirar o trabalho do seu tão destemido esposo, que, ao longe, suspira e espera o próximo e louco vôo da paixão.

Cansaço

Como um salário mínimo, todo fim de mês sinto um cansaço de um ano, talvez seja as tarefas, talvez não tenha tanta utilidade. As pessoas que passam ao redor sentam-se em poltronas relaxantes e simplesmente adoecem em sua própria comodidade. Eu, que tenho sonhos, olho as imagens que desenho numa folha rabiscada. Algumas palavras que têm um breve sentido, contornam o desejo dessa minha expansão, tão oprimida em suas tentativas fracassadas. Como folhetos distribuídos na rua, estou despojada ao léu, oferecendo o que sei transmitir, mais nada. Se não correspondo ao vasto mundo metamórfico, continuar-me-ei em lutas incessantes contra o tempo. Afinal, há alguém mais disposto a chorar? Este ato sublime da vitória sobre o corpo, demonstrando a decepção efêmera, ou o sentimentalismo divino. Não, não, quem seria tolo de perder um freguês por uma lágrima? E quem choraria junto a um tropel de choros repentinos, por um sonho? Continuem, assim, sentados no alto trono da alienação formal, negando para si mesmos a vontade de serem apenas livres. A minha extensão de amores são deveras maiores que minha racionalidade, e não temo esse instinto. As mesmas imagens que observo irão colorir a paisagem do pensamento, logo, produzirão a fertilidade ideológica e me farão completamente entregue ao léu, mais uma vez. E novamente me encontrarei com a sensação de inutilidade por não despertar, talvez, algo em ti com esse fragmento.