terça-feira, abril 27, 2010
Entre a montanha e o abismo infinito, sobre o nariz sem jeito, o lábio sem carne, a pele alva e sob os cabelos negros flexíveis, um olho de verdade, outro de mentira. A retina tímida, a íris escura. A menina dos olhos dele cresceu, enfrentou a vida e continua pueril. Quando olha sorrindo, no fundo, os olhos ainda permanecem ingênuos. Quando olha baixinho, no pé dos cílios, um desagrado. Quando olha sem medo do horizonte, uma mentira. Quando se fecham sem explicação, um sentimento, vento sem direção. Não absorve, não penetra se esvai como chuva no bueiro, como poeira na estrada, leve e livre, mas preso sem querer. Evacua-se o pó do pote, o bilhete da garrafa, a criança do progenitor. E se entrega e se deixa, voa, brinca no céu sem fado, sem nexo, atordoado, amedrontado, solitário e não se sente mais. Quando se abrem no escuro, braço forte. Ergue construções, mergulha no rio corrente, descrente, nada até chegar à fonte. Feroz, sóbrio. Ânsia egoísta, mata e geme, corta e alça os desejos, acende a luz, enxerga seu quarto do mesmo modo que deixou. A cama, o armário, o lençol vermelho, o amor iludido, o arrependimento, a tristeza, o desengano. E nada mais vale. Os olhinhos brilham de vontades vexadas, desgarram-se do atalho tomado, e olham pra baixo, no pé dos cílios, um desagrado. E já não há brilho, apenas morte; Sorte de se desvincular. E seguindo seu caminho, torto, sem posição... Sua montanha rochosa se desmorona e o abismo se preenche, não há onde morrer. A inocência se perde como notas de um violão que chora o coração dos outros, e brinca nos pastos verdes da carência absoluta, como Eva no Paraíso perdido, agarrada à certeza da eternidade. Sem chance de se sentir homem e se contradizer, e aprender a amar como antes. Os olhos daquele adulto maduro, pretos e tão previsíveis, olhos de um alguém que não encontra alguém, olhos amadurecidos e infantis. Não existe mais singeleza naquele olhar, apenas curiosidade. Como se o tempo fosse a mesmice do dia, e ele é o mesmo e parece com os mesmos homens que trabalham, com as mesmas idades e que assistem os mesmos filmes. Quando no fim de semana procuram calor a quem oferece. Um homem com olhos normais, não há nada dentro até que alguém ouse descobrir. E tente mudar a trivialidade daquela vida pasma, incerta. E aqueles olhos, pequenos e grandes, olhos vestidos com dúvidas no interior da retina e com ar de soberania masculina no revestimento da íris negra. Tão jovial e tão desgastado, o olho da mentira, usado para enganar os corações mais puros ou os mais vulgares. Na parte do seu olho verdade, ainda resplandece um amor ofuscado que necessita aparecer, precisa aparecer. E a moça bonita dos lábios de carne não ama aquele homem breve e efêmero, eles se correspondem com a mesma luz. Como o luar e o sol. O fim da noite que abraça a aurora cinzenta, e se completam e se eternizam, e a inocência voltará ou morrerá pela montanha rochosa. A inocência não se esquivará ao mal do ódio de todo o sofrimento dos pássaros amigos que escrevem com o vôo no céu azul.
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Um comentário:
Que poema lindíssimo, Lice. Enquanto eu lia, me lembrava de coisas minhas mesmo. De confiar e amar em alguém, e depositar confiança e esperança, e depois se decepcionar, mas renascer a esperança todo dia...
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